sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Caetano Viana

"Ah, segurei o meu pranto para transformar em canto
E para meu espanto minha voz desfez os nós
Que me apertavam tanto
E já sem a corda no pescoço, sem as grades na janela
E sem o peso das algemas na mão
Eu encontrei a chave dessa cela
Devorei o meu problema e engoli a solução
Ah, se todo o mundo pudesse saber
Como é fácil viver fora dessa prisão
E descobrisse que a tristeza tem fim
E a felicidade pode ser simples como um aperto de mão
"

sábado, 18 de dezembro de 2010

Liev Tolstói






"É no coração do homem que reside o princípio e o fim de todas as coisas."






"A razão não me ensinou nada. 
Tudo o que eu sei foi-me dado pelo coração."

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Bertolt






"Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas
as margens que o comprimem"

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Nick Drake

"I had a little book
Was given to me
And every page
Spoke of liberty
"
          
                

"I never felt magic crazy as this
I never saw moons knew the meaning of the sea
I never held emotion in the palm of my hand
Or felt sweet breezes in the top of a tree
But now you're here
Brighten my northern sky.
"

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Georg Dzhamgerchinov

Estou sentado na varanda, em minha cadeira de balanço. Tenho uma manta sobre as pernas e uma xícara nas mãos, algo quente e aconchegante descansa dentro dela. Uso pijamas azul-claro e branco. Meus cabelos estão ralos, mas compridos como nunca. Passo a mão também no rosto e sinto uma barba de meses. Não consigo me concentrar no horizonte ou em qualquer coisa ao meu redor, sei que o chão é de madeira, que estou descalço, que num movimento mecânico, percebido minutos depois, balanço minha cadeira gentilmente com os dedos dos pés. Olho para o lado, alguns senhores jogam cartas numa mesa de metal com tampo plástico azul-claro, sentados em cadeiras semelhantes. À frente um jardim bonito, pequenos caminhos feitos de tijolos vermelhos dão forma à canteiros de margaridas, copos-de-leite e crisântemos. Uma pequena e odiosa fonte em forma de taça com um sapo de pedra esculpido cuspindo água para cima se levanta do meio de um canteiro de margaridas, me acalma. Não tenho certeza de onde estou, mas parece ser um lugar agradável. Estou confortável, aquecido num tempo frio, com uma bebida quente em minhas mãos e alguns amigos jogando cartas; parece certo, parece bom. Ainda assim não me lembro do meu sobrenome, sinto que tenho família, mas não me recordo do rosto de ninguém. Sentimento agoniante, mas logo passa quando uma canção me vem aos lábios sem que eu a sinta passando pela cabeça:

"Pile all the books without getting any answers,
Cherish your friends and notice all o' them are gone,
Live your whole life and remember by the end
no one can stand against the wind"

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

XVIII

Hoje muito mais certo de minhas dúvidas, logo apenas as ignoro.
Esqueço-me já quase totalmente,
do tempo em que pensar sobre tudo era alimento da alma.
Passaram-se rugas e escolhi o recolhimento.

Todos os dias encaro os céus,
não por alguma profunda metáfora ou significante análise,
O encaro apenas por ser belo.
Gasto mais tempo estirado na grama, sob a sombra de meu carvalho predileto,
Apenas por preguiçosamente me recostar e exercer a mais pura atividade do não-pensar.

Todos os dias invento novas memórias
para que já não me lembre daquela escura era em minha vida,
Hoje já não vivo nem morro,
Sou eterno em minha ignorância como as águas deste rio.

sábado, 9 de outubro de 2010

Vida, sempre.

Cada canção me soará seu nome.
Todos os dias me levarão até suas memórias.
Meus caminhos serão eternamente seus.
Minhas mãos lhe notarão a ausência a cada instante.
Lembrarei de seu travesso sorriso e de seus profundos olhos doces, suplicantes.
Antes mesmo de tocar a pena, você se esvai e se pinta no papel.
Guardarei-lhe em mim a perfeição, nada menos
que a sua perfeição.

Vida.

Belo Horizonte, 9 de Outubro de 2010,

Veja bem,

Não desejei nem por um instante que não fosse fugidio. Não ver mais seu rosto, seu perfeito corpo pálido convidando-me a sorver um pouco de você em cada poro... Bem, que seja então esse o preço. Porém, jamais lhe deixarei partir de minhas memórias. Compartilhamos um momento eternamente maculado e de profundeza inimaginável. O nu dos corpos refletia não um desejo carnal, mas a mais pura necessidade de entregar-se. Entregar-me tuas mãos, deixar que eu lhe guiasse cada passo, cada movimento, cada gesto, cada sensação. Entreguei-lhe meus olhos e toda força que havia em mim, lhe disse tudo que era necessário no toque de nossos lábios. Seu rosto enrubeceu, teu colo o seguiu as ações. Naquele quarto não existiram dois corpos, dois seres, um homem e uma mulher. No seu leito coexistimos como mais lúcido organismo pulsante, ondulando e serpeteando em si mesmo, dando voltas ao seu redor, metamorfoseando-se hora em cisne, hora em loucura.

Não pudemos, nem queríamos, conter nenhum centímetro de nossa felicidade. Degustamos demoradamente nós mesmos e nossas palavras. Cada sussurro e clamor interrompido por um suspiro...

Minha senhora, minha doce menina, quisera eu tomar-lhe os medos em meus braços agora, atirar cada um deles ao mar. Não ousaria, não poderia. O fugaz é nossa magia, o etéreo é nossa canção, cada nota pontilhada pela mais fugidia paixão. Tivemos nosso tempo e, minha amada, como o vivemos bem. Temo que nos anos porvir jamais deixarei que outra tome o seu lugar, mas guardarei-lhe a memória com a mais perfeita dedicação. Não tocarei com estas mãos nenhum outro corpo nem estes lábios meus hão de proferir palavra e votos à outrem. Permanecerei em solidão e esperarei pela sua visão, em meus últimos dias, quando você virá despedir-se de seu, já ancião, todavia eterno, amante.

Doce amor, queria saber-lhe o nome e onde mora para endereçar-te esta carta. Contudo, guardarei em meu peito profundamente todas essas palavras e as terei prontas no nosso próximo e último encontro. Sei que pode sentir-me agora, sei que aqueço-lhe o coração, pois o meu é chama que não se encerra. Atenta ao vento que açoita sua janela, sou eu a desejar-lhe em cada grão de vida que me resta.

Chamarei-lhe apenas, Vida, pois vida foi o que ofertou-me. Ainda ouvirei sua doce voz chamar-me o nome uma última vez.... E até lá, amar-te-ei em cada partícula de meus dias. Doce vida.

Do seu eterno,
Raphael.

domingo, 26 de setembro de 2010

Thomaz

Porto Belo, 16 de Agosto de 1986,

Querido,

Conhecê-lo é amá-lo. Olhos claros que não dizem nada, mas que mostram tanto. Para os meus ouvidos sua voz é suave e seu sorriso, sincero. Parece sempre estar tão descansado que me faz o querer mais a cada instante. Quero seu corpo macio, sua boca adocicada e os quero todos aqui. Proteger em meus braços os teus sonhos castos. Ser imperfeito, incerto e livre. 

Agora que conheci minha liberdade e minha cadeia, escolhi a cela na qual quero morrer todos as noites. É a ti que desejo, é de ti que sinto falta todas as manhãs. Aquele espaço vazio na minha cama lhe cabe tão bem. O calor que não existe em minha carne é o seu. O vazio em algum lugar aqui dentro que tanto me faz suspirar tem lugar guardado com seu nome.

Hoje conheço minha libertinagem e minha cela. Meus grilhões são seus, os tome, tome em suas mãos tudo que é meu. O sonho é novo todas as tardes e morre quando não lhe vejo. Passar minhas palmas nas tuas, sentir roçar nossos dedos sem os entrelaçar. Apertar-lhe forte o corpo contra o meu e beijar-lhe o rosto de menino. Fechar os olhos e me deixar perder nesses cachos e ondas de um dourado profundo, quase negro. Acordar todas as manhãs antes do sol nascer e admirar-lhe nu, recostado em mim. 
Quero amar-lhe tanto que não lhe peço em troca o mesmo amor novamente. Já não sei onde está, mas sei que tem a quem encantar. Peço-lhe para ouvir-me quando sozinho estiver. Lembra-se da minha voz e do meu sorriso, leve-os consigo, saiba que lhe quero bem. Meu eterno homem e minha eterna brandura.

Do seu,
Olívio.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Anne Vosgrau



"Em tudo que fizer, bondade.
Em tudo que lhe faltar, longanimidade.
Com todos que te cercam, amor.
Todas as manhãs, paz.

Enquanto houver flores em nosso jardim, tudo há de se arrumar."
Anne Vosgrau



domingo, 12 de setembro de 2010

Johan Malmann

   Uma manta a tiracolo, meus chinelos de camurça e uma xícara de chá; sentado em minha melhor cadeira de praia. Ali da varanda eu observava o quintal que se estendia até onde a vista poderia chegar, minha pequenina sentada no último degrau dos três que nivelavam o piso da casa com o do jardim. Meu menino corria de um lado para o outro, longe, brincando de tentar alcançar Ben - nosso bernese mountain dog -, nomeado por mim e minha incrível falta de criatividade.

   Todas as manhãs eu me levantava antes mesmo deles e preparava para mim um pouco do meu chá preferido, colocava na vitrola, com o mínimo volume possível, um dos meus antigos discos de Nick Drake. Todas as manhãs, ao ir para a varanda segurando minha velha companheira nas mãos, uma única tábua do chão estalava, a cadeira de praia rangia e eu suspirava ao ver os primeiros sinais do nascer do sol. Era assim, todos os dias.

   Os pequenos acordavam e iam correndo para a cozinha. Meu coração regozijava ao ouvir seus pezinhos descendo a toda pelas escadas, suas mãozinhas abrindo os armários da cozinha, dois amigos inseparáveis, se cuidando todos os dias. Ela, dois anos mais velha e quase dez centímetros mais alta, pegava as tigelas e o cereal, enquanto ele estava encarregado de trazer o leite e as colheres. Eu preparava, sem esforço, meu melhor sorriso e meu melhor cumprimento ao ouvir que se aproximavam. "Bom dia pequenos, dormiram bem?" Seus rostos se iluminavam ao olharem para mim e responder: "Sim, papai.". Eles se assentavam a mesa - nossa pesada mesa de mogno que ficava na varanda -, preparavam o desjejum preferido de ambos e comiam calmamente, brincando com os olhares e as mãos, conversando em silêncio, preparando as travessuras de mais tarde.

   Nesse tempo, nosso querido Ben já estava a toda, correndo por entre as colinas e depois se aproximando ao ver que as crianças já terminaram de comer. "Podemos brincar agora papai?", eu assentia com a cabeça e eles disparavam. Clarisse ia buscar suas bonecas, o pequeno Sami saltava por cima da escada que levava ao jardim e corria chamando pelo nome de nosso bernese. Eu terminava meu chá, me levantava, a cadeira rangia, a tábua estalava, pegava as tigelas dos pequenos, o leite, o cereal, levava tudo para a cozinha e deixava lá até a hora do almoço, quando decidiríamos qual era o prato do dia, todos juntos, sempre. Quando eu ia de volta para a cadeira, Clarisse cruzava comigo, suas bonecas nos braços e sorrisos mil estampados em seu rosto. "E hoje minha querida, o que vai acontecer?", ela tinha uma imaginação fervorosa, sempre maquinando alguma coisa, todos os dias me deixava a par dos últimos acontecimentos da sua eterna novela de bonecas. "Hoje a Hana e o Ernest vão se casar papai!" - desde que viu em minha mesa um dos livros de Ernest Hemingway, nomeou imediatamente um de seus bonecos com o nome do autor. "Então já é hoje o grande dia? Melhor se apressar para começar os preparativos!", "Sim, papai! Já estava indo!". E lá ia ela, correndo para o velho e enorme tronco de carvalho derrubado à poucos metros da casa, dizia que lá era " a cidade deles papai, onde todos moram e se casam e dormem e vivem.".

   Tão lindos, perfeitos. Sami tinha meus cabelos e meu sorriso bobo, Clarisse a minha imaginação e os meus olhos matreiros. Mas ambos me lembravam intensamente a ela, irremediavelmente. Nos gestos, na fala, nas brincadeiras, no instinto natural de prestatividade e compaixão para com qualquer coisa que se movesse - ou não. Ali, sentado na minha velha cadeira de praia, meus chinelos de camurça no chão ao meu lado, vestindo minha velha calça de moletom e uma camisa manchada de café e mostarda, eu observava todas as manhãs meus pequenos. Atentamente via cada traço semelhante a mim ou a mãe ou a nenhum dos dois. Coisas próprias que um mistério juntou e transformou de nós para eles. Sentia muito a falta dela, mas antes era pior. Os pequenos passaram por tudo isso e agora renascem. Voltam os sorrisos, os abraços, as brigas bobas de criança que logo depois são esquecidas. E eu? Bem... Volto a sonhar. Continuar a fazer o que sempre fiz e continuar a viver o sonho que eu e ela construímos. Aqui no campo, nessa casa, com nossos profundamente amados filhos.

   Não voltaria no tempo. Não traria ela de volta. Ela se foi e, por mais que tenha doído e ainda doa, é assim que as coisas vão ser. Mudar a vida, o tempo, a morte... Bobagem querer isso. Ela gostaria que eu sorrisse como agora, vivesse como agora, me levantasse e continuasse a ver os anos entrando em nossa casa e nos trazendo tempos e tempos mais. Ver as árvores crescerem, envelhecerem e, como nós, se encherem de rugas. Não sonho com magníficas e gloriosas conquistas, mas sim com a humilde e simples alegria do conforto de um amor tão sincero e caloroso, que ela mesma me ensinou a amar.

sábado, 11 de setembro de 2010

Seol

Vivi tempo na escuridão. Observando tudo o que se passava aqui fora.
Meus olhos, desacostumados com a luz, ao contrário do que pensei não se incomodaram,
receberam placidamente cada partícula vívida que lhes encarava.
Os pés descalços, já calejados do chão duro e do concreto frio,
toda a confusão, lamentações a pouco perdidas, já não mais parecem tão reais.
A grama e o mato altos me fazem cócegas nas pernas,
cada nó e fibra do meu corpo se relaxa e recebe a maciez da terra que piso.
Uma trilha se abre a minha frente, eu ainda olho para baixo com medo de encarar o horizonte.
O sol cobre todo o meu corpo e os trapos que me envolvem são aquecidos,
não mais sinto frio.
A brisa leve e morna me diz para não ter medo.

Levanto o rosto e encaro as montanhas de um azul profundo cortarem os céus de fora a fora,
aos seus pés espalham-se aos montes amieiros-cinzentos e vidoeiros-brancos, protegendo
as marges de um lago que só posso divisar pequena parte, mas que reflete os raios de clareza com esplendor.
Crisântemos... De todas as cores que eu jamais poderia imaginar; já havia me esquecido de todas elas.
O sol me acolhe, a grama e o mato me alegram, as flores e as árvores me fitam a todo instante,
me convidando a ficar.
O cheiro de tão verdejantes vidas é suave e inebriante.

Olho ainda mais uma vez para trás,
A porta continua aberta, a chave pesa em meu bolso, um aperto no peito me vem e, de repente,
parece que tudo de que sou capaz é temer uma profunda treva que me aprisonou durante todo aquele tempo.
A brisa sopra um pouco mais forte, um pouco mais fria. Vejo deitado, à sombra de um dos vidoeiros, um cervo branco. Ele põe seus olhos em mim e parece enxergar algo que eu mesmo não poderia perceber.
Certo sentimento de decisão e coragem invade meu peito e os sons do vento roçando no mato é tudo que posso ouvir. Meu espírito se eleva.
Levo a mão ao bolso, tiro a chave que me fora dada tanto tempo atrás. Ainda brilha dourada e cheia de gosto, maldição que não pude evitar.
Seguro a maçaneta, empurro e fecho. Coloco a chave e tranco com uma volta.

Agora duas.

Viro-me e caminho em direção ao lago, o cervo se levanta lentamente e galopa, desaparecendo dentro do bosque onde se esconde o lago. Tudo agora parece ainda mais verde e caloroso. Não sinto mais fome ou sede. Pareço me imergir em uma manhã eterna.

Viverei aqui. Nada construirei, nada plantarei e de nada vou me aproveitar. Essa terra que agora piso me alimentará com sua força, esse lago que se esconde na paisagem ricamente arbórea à minha frente me saciara a sede com sua sabedoria. Serei um com este lugar. E ele me renovará, renascerei aqui como homem, vida e plenitude.

Caminho até o topo dessa pequena colina ao leste, deito-me e o mato alto me cerca, preguiçosamente admiro as nuvens. Fecho os olhos, a relva me cobre, a brisa morna e os raios de sol me aquecessem, a respiração lenta, o corpo se entrega. Calmamente adormeço. A esse lugar, chamo Seol.