domingo, 1 de maio de 2011

Seguindo os conselhos de minha falecida esposa.

"- Abra as janelas, deixe entrar um pouco de sol..."
"- Por que?"
"- Fechar-me nesse abafamento só há de me fazer mal... Agora abra as janelas, depressa."
"- Tudo bem. O que te incomoda?"
"- Nada, apenas quero ficar um pouco ao sol, bronzear-me um bocadinho... Quero estirar na grama do quintal e ficar abobado, assistindo as nuvens se mover até que meus olhos doam. Sentir as leves cócegas que o mato faz sobre a minha pele quando essa brisa quente bate. Profundamente inspirar e encher-me do cheiro da terra, ser um com ela. Com as palmas das mãos acariciar as ervas, os ramos, a relva e notar, como sempre, que uma força ancestral me renova e devolve todo o carinho e energia que lhe entrego. Daí então me encolher, deixar que as moitas cerradas me escondam. Cobrir-me com essa manta verde, poderosa e pura. Esticar o braço e tocar o tronco das árvores ao meu redor, sentir sua aspereza familiar sob minhas mãos e sua vida fluir das raízes até as folhas, e então, pelas pontas dos meus dedos, para dentro de mim. Chorar um pouco e deixar que um rio me lave, secar-me ao sol sobre as pedras quentes e confiar em seu amparo, esse ânimo de presença paterna que me trazem as rochas. Ser filho de Deus, ser um com o que me cerca, desaparecer na relva, renascer um fauno, ser caçador de mim."
"- Nunca antes conheci um homem que guardasse tamanha escuridão e sofresse tão lancinante dor."
"- Como?"
"- Almeja a clareza, o que está na escuridão. Deseja a leveza,  aquele que carrega pesado fardo. O homem ferido, busca a regeneração. Só agora vejo e percebo o seu desespero, agora entendo a razão que te leva sempre a cismar tantas horas. Pobre homem..."
"- ... Não se esqueça de trazer-me, hoje à tarde, o chá..."
"- Sim, meu senhor."