quinta-feira, 28 de outubro de 2010

XVIII

Hoje muito mais certo de minhas dúvidas, logo apenas as ignoro.
Esqueço-me já quase totalmente,
do tempo em que pensar sobre tudo era alimento da alma.
Passaram-se rugas e escolhi o recolhimento.

Todos os dias encaro os céus,
não por alguma profunda metáfora ou significante análise,
O encaro apenas por ser belo.
Gasto mais tempo estirado na grama, sob a sombra de meu carvalho predileto,
Apenas por preguiçosamente me recostar e exercer a mais pura atividade do não-pensar.

Todos os dias invento novas memórias
para que já não me lembre daquela escura era em minha vida,
Hoje já não vivo nem morro,
Sou eterno em minha ignorância como as águas deste rio.

sábado, 9 de outubro de 2010

Vida, sempre.

Cada canção me soará seu nome.
Todos os dias me levarão até suas memórias.
Meus caminhos serão eternamente seus.
Minhas mãos lhe notarão a ausência a cada instante.
Lembrarei de seu travesso sorriso e de seus profundos olhos doces, suplicantes.
Antes mesmo de tocar a pena, você se esvai e se pinta no papel.
Guardarei-lhe em mim a perfeição, nada menos
que a sua perfeição.

Vida.

Belo Horizonte, 9 de Outubro de 2010,

Veja bem,

Não desejei nem por um instante que não fosse fugidio. Não ver mais seu rosto, seu perfeito corpo pálido convidando-me a sorver um pouco de você em cada poro... Bem, que seja então esse o preço. Porém, jamais lhe deixarei partir de minhas memórias. Compartilhamos um momento eternamente maculado e de profundeza inimaginável. O nu dos corpos refletia não um desejo carnal, mas a mais pura necessidade de entregar-se. Entregar-me tuas mãos, deixar que eu lhe guiasse cada passo, cada movimento, cada gesto, cada sensação. Entreguei-lhe meus olhos e toda força que havia em mim, lhe disse tudo que era necessário no toque de nossos lábios. Seu rosto enrubeceu, teu colo o seguiu as ações. Naquele quarto não existiram dois corpos, dois seres, um homem e uma mulher. No seu leito coexistimos como mais lúcido organismo pulsante, ondulando e serpeteando em si mesmo, dando voltas ao seu redor, metamorfoseando-se hora em cisne, hora em loucura.

Não pudemos, nem queríamos, conter nenhum centímetro de nossa felicidade. Degustamos demoradamente nós mesmos e nossas palavras. Cada sussurro e clamor interrompido por um suspiro...

Minha senhora, minha doce menina, quisera eu tomar-lhe os medos em meus braços agora, atirar cada um deles ao mar. Não ousaria, não poderia. O fugaz é nossa magia, o etéreo é nossa canção, cada nota pontilhada pela mais fugidia paixão. Tivemos nosso tempo e, minha amada, como o vivemos bem. Temo que nos anos porvir jamais deixarei que outra tome o seu lugar, mas guardarei-lhe a memória com a mais perfeita dedicação. Não tocarei com estas mãos nenhum outro corpo nem estes lábios meus hão de proferir palavra e votos à outrem. Permanecerei em solidão e esperarei pela sua visão, em meus últimos dias, quando você virá despedir-se de seu, já ancião, todavia eterno, amante.

Doce amor, queria saber-lhe o nome e onde mora para endereçar-te esta carta. Contudo, guardarei em meu peito profundamente todas essas palavras e as terei prontas no nosso próximo e último encontro. Sei que pode sentir-me agora, sei que aqueço-lhe o coração, pois o meu é chama que não se encerra. Atenta ao vento que açoita sua janela, sou eu a desejar-lhe em cada grão de vida que me resta.

Chamarei-lhe apenas, Vida, pois vida foi o que ofertou-me. Ainda ouvirei sua doce voz chamar-me o nome uma última vez.... E até lá, amar-te-ei em cada partícula de meus dias. Doce vida.

Do seu eterno,
Raphael.